Foto: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022
RICARDO REZENDE
( Brasil - Pará )
Viveu em Conceição do Araguaia, Pará.
Nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Com opção evangélica, e compromisso com o povo, veio para a região paraense do Araguaia.
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Aos 59 anos, o padre Ricardo Rezende é porta-voz das vítimas dos conflitos fundiários no Pará. Viveu 20 anos em terras sem lei, 18 deles marcado para morrer. Há 15, denuncia, do Rio, crimes cometidos com a chancela do Estado e a escravidão instituída por grandes empresas. Professor da UFRJ, conheceu irmã Dorothy e outros mártires e é protagonista no documentário "Este homem vai morrer", [extraído de
https://reporterbrasil.org.br/2011/05/a-vida-de-um-padre-sob-ameaca-de-morte-por-18-anos.
POETAS DO ARAGUAIA. Prefácio de Carlos Rodrigues Brandão. Rio de Janeiro: CEDI, 1983. 132 p. ilus Ex. bibl. Antonio Miranda
Sou homem de uma terra sem nome.
Seu nome na casa vazia.
Minha terra contemplo-a ao longe,
tão perto e tão longe.
Meu rio, meu mar, meu Brasil,
num voo vejo-te de relance e já estou na África.
E busco a unidade no azul do céu, agora, ou
na negritude do mesmo céu, tão logo alcanço o oceano.
Não busco a unidade da palavra ou do silêncio,
quero ambas.
Dos pampas aos mais longínquos extremos de minha América
uma dor invadiu a casa
e América são duas, são muitas meu Deus,
uma pátria só, uma América só.
Meu Brasil sem fronteira, sem ódio, sem repressão
entoe a canção dos libertadores!
e os oprimidos, o nosso povo,
alce os ares da liberdade!
Sou homem de uma terra com nome
e seu nome é sagrado.
Sou nome da casa vazia.
Não tenho nome ou face
sem identidade sou.
Roubaram-me tudo!
Povo rastejante e imprevisível de hoje,
no silêncio ou na palavra, levantar-se-á.
Sou homem.
***
Que crimes rezas preenchem o tempo
de uma vila com pouco mais de duas ruas?
São tantos
crimes por traição e por amor,
por roubo de gado, galinha, ou por terra.
Foices que fazem picadinho de mulher encontrada com outro
e outro encontrado nu fugindo pelo atalho.
Terços de penitência e promessas a vararem as horas
cantados pelas beatas mais famosa da redondeza.
***
Não há silêncio nestas noites
de tiros e emboscadas.
Não há silêncio!
***
Araguaia, que histórias há nestas águas?
Quantos Karajá e tantos de tribos outras
ontem e hoje se perderam
nas mãos brancas de brancos homens.
Araguaia de águas profundas,
histórias escondes?
Os pássaros buscam o último espaço,
os tracajás aguardam, ansiosos, a trégua,
os animais se reduzem às cinzas
e peões são engolidos, não pelos banzeiros de tuas águas,,,
mas pele insanidade daqueles que detêm o poder.
Araguaia,
que silêncio e placidez em tempo de invasão.
Acorda,
porque tori tem os olhos de fogo.
(...)
Não há poesia no chão que é árido
ou a poesia aí é outra
que não a dos campos verdes?
nos espinhos que surgem,
nos pés descalços, em farrapos
que medem a terra passo a passo,
que poesia existe?
nas noites infindáveis dos dias que não vêm,
onde está o verde?
em solicitude atravessa a terra,
penetram-lhe o coração as pedras e os espinhos,
a angústia da secura do solo.
Da aridez das mesas onde superabunda
o que ali falta.
O trovador fez silêncio.
O poeta enforcou-se
(ou o mataram? A dúvida correu pelas calçadas).
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Página publicada em outubro de 2022
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